Num concelho onde se respira futebol, há um campeonato que move paixões, levanta multidões e reacende rivalidades: o Futebol Popular. Com 43 clubes inscritos, divididos em duas divisões e três séries, é um verdadeiro microcosmo da identidade local. Aos domingos de manhã, as freguesias vestem-se de cor, orgulho e sotaque, juntando os “craques da terra” para defender o emblema da sua comunidade. Há dérbis em todas as jornadas, mas quando o adversário é a freguesia vizinha... talvez ali fizesse falta a presença da autoridade policial.

Na 2.ª Divisão reina o bairrismo puro — é a prata da casa que calça as chuteiras. Mas na 1.ª Divisão o cenário muda. Já não são apenas os locais que brilham: entram em campo nomes que espalharam classe nos distritais e, por vezes, nos nacionais. Há quem diga que ali já não se vence com a prata da casa… mas com o ouro da terra.

A comparação com o futebol árabe pode soar exagerada, mas o paralelismo existe. Lá, estrelas consagradas trocam os grandes palcos pelo prazer do jogo e por salários equiparáveis. Aqui, o amadorismo adquire toques de profissionalismo. Enquanto um jogador da Pró-Nacional treina quatro vezes por semana, entra em estágio ao domingo de manhã, joga a dezenas de quilómetros de casa e recebe entre 200 a 400€, no Popular há dois treinos semanais, uma tainada à sexta-feira e, em alguns casos, prémios de assinatura que chegam aos 3000 ou 5000€.

Futebol ao domingo de manhã, almoço em casa, tarde livre com a família. Vida de rei para quem já não quer viver para o futebol, mas com o futebol. O estigma de “descer" ao Campeonato Popular desaparece, e a qualidade do campeonato sobe.

Hoje, 90% das equipas da 1.ª Divisão jogam em campos sintéticos, com estruturas, marketing e comunicação ao nível dos campeonatos distritais. Os jogos são acompanhados por rádio em direto, há apps com resultados em tempo real, páginas dedicadas a notícias e até rumores de transferências — algo que nem sempre se vê no futebol distrital.

O fenómeno cresce — nas bancadas, nos relvados e nas redes sociais. Já não há vergonha. Há visibilidade, orgulho, e acima de tudo, uma paixão renovada pelo jogo.

O futebol da bifana e do fino no fim do jogo está a tornar-se cada vez mais gourmet. E a pergunta impõe-se: até onde pode chegar este fenómeno, que celebrou 30 anos, mas que nos últimos cinco evoluiu mais do que em toda a sua história?

 

André Mendes

Treinador de Futebol