Entrevista com Bruno Vilas Boas
Domingoasdez : Estamos aqui com Bruno Vilas Boas, treinador dos Leões da Serra, campeões da 1ª divisão do Popular Barcelos na temporada 2023-2024. Bruno, é um prazer tê-lo connosco!
Bruno Vilas Boas: Eu é que agradeço o vosso convite.
Bruno, primeiramente, parabéns pela conquista do campeonato! Pode nos contar um pouco sobre como foi essa temporada para os Leões da Serra?
Resposta: Obrigado. Foi uma temporada muito difícil e muito desgastante. No inicio da época já o perspetivávamos, e para isso nos preparamos, o campeonato revelou-se extremamente exigente e muito competitivo. Este campeonato foi um dos mais fortes do Futebol Popular, para não dizer o mais competitivo de sempre. Defrontamos equipas muito bem preparadas quer do ponto de vista individual quer coletivo, com excelentes jogadores e treinadores e, por isso, este campeonato foi um desafio enorme e foi verdadeiramente uma longa e difícil caminhada.
Início e Carreira:
·Como começou a sua carreira no futebol e o que o levou a se tornar treinador? Resposta: Eu joguei futebol praticamente durante 20 anos, fiz a formação no Gil Vicente FC e a minha carreira futebolista foi feita quase exclusivamente nos campeonatos federados. Sendo certo que, enquanto sénior, comecei e terminei a minha carreira, curiosamente, no Futebol Popular e na AD Carvalhal, onde fui campeão enquanto jogador no meu primeiro ano de sénior. O que me levou a ser treinador foi muito um acaso. Enquanto jogava, sinceramente nunca pensei vir um dia a ser treinador. Apostava mais ficar ligado ao futebol na parte diretiva dos clubes ou mesmo como diretor desportivo…treinador nunca me passou pela cabeça. Porém, nos 2 últimos anos que joguei futebol, competi nesses campeonatos na AD de carvalhal e pese embora tivesse apenas 33 anos decidir deixar de jogar porque as constantes lesões nos tornozelos não me permitiam competir com a regularidade e com as reais capacidades que julgo que tinha. E quando abandonei a carreira, o Diretor desportivo da AD de Carvalhal, o Carumas, convidou-me para abarcar nesta aventura e eu aceitei o desafio. Foi um ano muito duro, sofri muito nessa época, estive seguramente mais de 10 jogos consecutivos sem ganhar e o desânimo foi-se acumulando e pensei em desistir por várias vezes, apresentei a minha demissão por diversas vezes, e se não fosse o Carumas e José Vilas Boas a segurarem-me e a darem-me confiança, esta minha aventura tinha terminado naquele ano. Se consegui alguma coisa como treinador, devo-o a esses dois senhores e meus amigos que sempre, mas sempre, acreditaram em mim e me deram valor.
· Quais foram as maiores influências na sua carreira como treinador?
Resposta: Felizmente fui treinado por excelentes treinadores, mas, sem desprimor pelos demais, tive dois treinadores que me influenciaram muito e continuam-me a influenciar, o Mister Aníbal Ferreira e o Mister João Salgueiro. Tenho ambos como amigos e aprendi muito com eles. Retirei deles diferentes aprendizagens, quer do ponto tático quer do ponto de vista da metodologia do treino, quer do ponto de vista da liderança mas, sobretudo, a forma de estar no futebol. São dois senhores do futebol barcelense.
A Temporada 2023-2024:
· Quais foram os principais desafios enfrentados nesta temporada?
Resposta: Os desafios foram muitos, elenco apenas alguns. Desde logo, introduzir e trabalhar com o plantel uma ideia de jogo que tinha para esta época, com princípios e dinâmicas que pretendia ver na minha equipa. Isso obriga a falar e a discutir muito com os jogadores sobre futebol. E na verdade, isso é das coisas que mais me dá prazer e gozo. Nunca sabemos tudo e no futebol aprendemos realmente muito é a discutir sobre futebol e a ouvir. A troca de ideias é muito importante. E esse desafio ainda mais se acentua tendo em conta a limitação de tempo que temos para trabalhar atento o numero de unidades de treino semanais. Em regra, apenas fazíamos dois treinos semanais e eu e a minha equipa técnica tivemos que nos adaptar e adotar uma metodologia de trabalho atento esse contexto e tudo com vista a tentar alcançar essa ideia de jogo, o que é extremamente difícil. Como são poucos os treinos durante a semana, é necessário fazer escolhas em função das prioridades que avaliamos, nomeadamente o que devemos focar nesta ou naquela semana, porque não há tempo para tudo. Esses foram e serão sempre os principais desafios dos treinadores, o que queremos e o que é melhor para a nossa equipa e a metodologia de treino para o conseguirmos.
· Existe algum jogo em particular que você acredita ter sido decisivo para a conquista do título?
Resposta: Não houve nenhum jogo em particular que acho que tenha sido decisivo. É verdade que a vitória à 22ª Jornada contra o Leocadenses colocou-nos numa posição muito confortável e muito próximos da conquista do titulo de campeão. Mas destaco o jogo contra o Pereira, em que jogamos sensivelmente cerca de 75 minutos com menos um elemento, por expulsão do André Pereira. Mesmo jogando com menos um jogador, a minha equipa nunca abdicou de tentar a vitória e que acabamos por conseguir. Aliás, nesse jogo, estávamos a ganhar por 1-0, e já perto do final do jogo (penso que por volta dos 80’) o Pereira conseguiu o empate e, mesmo perante mais essa contrariedade, os meus jogadores não desistiram, foram à luta e conseguiram a vitoria por 3-1. Saí desse jogo com a sensação que a equipa tinha Alma de Campeão.
Treino e Estratégia:
·Como é a sua abordagem de treino com a equipa? Quais são os princípios fundamentais do seu estilo de jogo?
Resposta: Relativamente aos treinos, acho que faço como os meus demais colegas. Leio muito, visualizo muitos vídeos de treinos realizados pelos melhores treinadores do futebol da atualidade desde Guardiola, Alonso, De Zerbin, Klopp, enfim…há tanto por onde apreender, e depois retiro o que mais gosto e o que mais se adequa aos nossos princípios e depois adapto-os e mesmo reinvento-os em face dos nossos contextos e às dinâmicas que pretendemos em função da nossa ideia de jogar. Relativamente ao nosso estilo e aos nossos princípios de jogo, gosto sobretudo de uma equipa que seja protagonista, que imponha a sua forma de jogar, que queira dominar o adversário e, por isso, gosto que a minha equipa seja audaz, ambiciosa e que tenha coragem. Relativamente aos princípios específicos de jogo da minha equipa acho que não me compete a mim estar a analisa-los. Relativamente aos princípios gerais, basta analisar a minha equipa um a dois jogos, e os princípios gerais estão lá e são visíveis a todos. Não há segredos quanto a isso.
Pode falar um pouco sobre a preparação tática e física da equipa ao longo da temporada?
Resposta: Na preparação física, mormente na pré-época, acho que sou um pouco ortodoxo e, se calhar, bastante antiquado. Pese embora, ache que a minha equipa se tenha mostrado bem fisicamente, penso que tenho de estudar mais e melhorar esse aspeto bem como outros, na verdade. A questão tática, é um ponto que trabalho imenso. O posicionamento dos meus jogadores e as dinâmicas que pretendo são, para mim, fundamentais. Do ponto de vista tático, preparamos a nossa equipa muito em função das qualidades individuais dos nossos jogadores. Tem de haver uma adaptação mútua. Trata-se de um processo gradual e progressivo e que muitas vezes, sobretudo por via dos planos estratégicos, sofre alterações pontuais ao nível das dinâmicas que pretendemos para determinado jogo, mas tudo numa ideia de jogo consolidada. Aliás, este ano fomos por várias vezes forçados a alterar o nosso processo ofensivo muito por culpa dos adversários que nos foram criando obstáculos diferentes. Mas vejo isso como um desafio e creio que isso também foi muito positivo para mim e fez-me crescer enquanto treinador, porque fui forçado a procurar e trabalhar novos caminhos e novas soluções para chegar à baliza dos nossos adversários.
Liderança e Motivação:
· Como você mantém a equipe motivada e unida durante a temporada, especialmente nos momentos difíceis?
Resposta: Eu acho que a nível de motivação o essencial é definir metas claras e ambiciosas mas atingíveis. O realismo é importante. Se por um lado é importante sermos ambiciosos, por outro lado devemos reconhecer as nossas incapacidades e os nossos erros. E para isso, é igualmente muito importante comunicar e falar com os jogadores sempre de forma muito clara, objetiva e frontal…só assim eles acreditarão nas nossas ideias e, sobretudo, no potencial deles.
Já quanto a manter uma equipa unida, o importante é focar os jogadores nos objetivos coletivos e deixar claro que a importância de cada um deles na conquista desses objetivos vai muito para além dos minutos cada um deles joga.
Há uma questão que para mim é essencial e que é a disciplina e o respeito pelos demais intervenientes no jogo. O grupo e os jogadores individualmente têm de ter estabilidade emocional ao ponto de saberem lidar serenamente com as vitorias e “não se perderem” nas derrotas. O mais fácil, faz parte da nossa cultura, é reagir contra os adversários e contra os árbitros quando as coisas não nos correm de feição. Pois bem, isso é a desculpa mais fácil para ocultar muitas vezes os nossos erros e as nossas incapacidades. É por isso que o trabalho mental de uma equipa é extremamente importante, só assim é possível sermos competitivos e simultaneamente disciplinados.
· Existe alguma filosofia de liderança que você segue?
Resposta: Já li muito sobre isso e não existe soluções magicas. Mas, conforme já disse, experienciei muita coisa no futebol e tive a sorte de ter sido treinado por treinadores que eram verdadeiros lideres e de diferentes formas. Vivenciei isso e, quer queiramos ou não, acabei por incorporar essas aprendizagens na minha forma de liderar uma equipa. Acho, sobretudo, que o mais importante é nunca deixarmos de ser nós próprios. Embora haja uma hierarquia e eu seja, por imposição do clube, o líder deles, tento-lhes fazer ver que sou mais um a remar no mesmo barco que eles, que estou ali para os ajudar, que o que mais pretendo é potenciar as qualidades de cada um deles e que estou e estarei sempre na linha da frente para os defender. No entanto, no balneário, sou muito frontal com eles e, pese embora a minha função é tomar decisões, muitas vezes injustas e desagradáveis, eles sabem que eu as tomo em consciência, de forma pensada e refletida e que me responsabilizo por elas. Assumo a tomada de decisão com naturalidade e não fujo às inerentes responsabilidades. Tudo o que faço é por um objetivo e ideia comum, somente.
Visão e Futuro:
· Quais são as suas metas para o futuro, tanto pessoais quanto para a equipe dos Leões da Serra?
Resposta: Gostava muito de poder estudar e de me formar no futebol de modo a poder sonhar com uma experiencia profissional. Mas eu sou realista e dificilmente aí chegarei. O certo é que isto tornou-se numa verdadeira paixão e sou e serei feliz a treinar qualquer equipa e em qualquer divisão, desde que me sinta acarinhado pelas pessoas e me deixem desfrutar com condições do mundo do treino e da vivencia e da adrenalina da competição. Em face das exigências da minha profissão e da minha vida pessoal, não me vejo a treinar num futuro próximo nos campeonatos distritais. O meu futuro próximo passa pelo Leões da Serra, onde fui muito bem-recebido e acolhido e, por isso, irei continuar por mais uma época.
Quanto às metas para o Leões da Serra é muito simples, ganhar o próximo jogo, sermos melhores hoje do que fomos ontem e sermos melhores amanha do que fomos hoje. Os resultados, em regra, são apenas consequências lógicas do trabalho desenvolvido. Não vale a pena traçar metas se não formos competentes no trabalho diário e se não formos competitivos treino após treino, jogo após jogo, e daí retirarmos aprendizagens.
· Como você vê o desenvolvimento do futebol na região de Barcelos e em Portugal como um todo?
Resposta: Quero falar sobretudo do Futebol Popular. Acho que o Futebol Popular melhorou imenso nos últimos anos, quer ao nível das infraestruturas dos clubes, ao nível da organização e gestão dos clubes, e, este ano, vi uma melhoria considerável da qualidade de jogo e do futebol praticado e que está associado não só à melhoria das condições dos campos, grande parte agora relvados, mas, e em particular, à qualidade dos jogadores. Esta época, e falo da primeira divisão porque foi a que vivenciei, grande parte das equipas tinham excelentes planteis cujos jogadores foram, muitos deles, recrutados no futebol distrital e isso trouxe obviamente mais qualidade individual ao campeonato e melhorou a qualidade de jogo e o espetáculo em si. Diga-se, e em boa verdade, a melhoria do campeonato também está associada a uma melhoria significativa das arbitragens. Além disso, verificou-se também uma maior divulgação do futebol popular quer nas redes sociais quer nos órgãos de informação tradicionais e, por isso, acho que o futebol popular está em franco desenvolvimento e todos os intervenientes têm de continuar a trabalhar para continuarmos a evoluir e a proporcionar aos adeptos, cada vez mais, melhores espetáculos.
Mensagem aos Fãs:
· O que você gostaria de dizer aos fãs dos Leões da Serra que apoiaram a equipe durante toda a temporada?
Resposta: Os adeptos do Leões da Serra são verdadeiramente fervorosos. Apoiam de forma incondicional a equipa onde quer que seja, em casa ou fora, à chuva ou ao sol, muitas vezes até nos treinos. Eles foram muitíssimos importantes nesta caminhada e este título é muito deles. Esperemos que no futuro lhes possamos dar mais alegrias.
Reflexões Pessoais:
· Olhando para trás, qual foi o momento mais gratificante da sua carreira até agora? Resposta: Felizmente, já vivi muitos bons momentos no futebol ao longo da minha carreira. Se por um lado tive a sorte de ter conquistado alguns títulos quer como jogador quer como treinador e, todos eles, foram sem dúvida gratificantes… por outro lado, ganhei amizades por onde passei e acho que, pela minha forma de ser e de estar no futebol, também deixei a minha marca nesses clubes. No entanto, não gosto muito de olhar para trás…ainda não chegou esse momento. Enquanto estou no ativo, o mais importante é sempre olhar para a frente e para o futuro, e é nisso que me foco diariamente e é isso que faço ver aos meus jogadores.
· Se pudesse dar um conselho aos jovens que aspiram se tornar treinadores, qual seria?
Resposta: O melhor conselho que lhes posso dar é que a sabedoria e o conhecimento nunca ocupa espaço. Por mais que estudem e analisem o futebol, nunca saberão tudo. Por isso, estejam sempre disponíveis para ouvir e aprender. É o que eu faço.
Domingoasdez : Bruno, muito obrigado pelo seu tempo e por compartilhar connosco sua experiência e visão. Parabéns novamente pela conquista e desejamos muito sucesso para você e para os Leões da Serra no futuro!
Bruno Vilas Boas: Muito obrigado! Foi um prazer.