É do senso comum, que para um emissor e um receptor se entenderem terão que utilizar o mesmo código ou linguagem. Depois, dentro de uma língua ou idioma de cada país, há a linguagem técnica de determinado sector, seja ele cultural, técnico-científico, profissional, desportivo, religioso, etc…uma espécie de jargão ou gíria, por que não chamar um dialecto, que só entenderá quem está familiarizado e identificado com determinada matéria e assunto. O futebol não é excepção, tem a sua própria linguagem. Às vezes técnica e reconhecida mundialmente nos manuais da especialidade, outras vezes, “parida” e inventada por personagens que se julgam iluminados e únicos no panorama futebolístico, tal é o seu ego.

De repente, aflorou-me a memória o nome de Gabriel Alves, jornalista e comentador desportivo da RTP de outros tempos, de renome e reconhecida aptidão técnica e profissional, que inventou alguns termos, que no início só ele sabia ao que se referia, mas que as audiências foram presumindo o que queria dizer: cabeça da área, (como as áreas tivessem cabeça), miolo do terreno, (como o terreno de pão se tratasse).

O treinador ainda em funções Manuel Machado, nas suas conferencias de imprensa, também era prolixo em palavras, com frase filosóficas e muito extensas, muitas das vezes para dizer tão somente, que a sua equipa perdeu o jogo. Tenho que reconhecer, no entanto, que aprendi mais com ele de futebol numa tarde em que era ele o prelector, do que com outros prelectores numa semana. E nessa aula, o Manuel Machado só colocava questões à classe, obrigando-a a reflectir e a chegar a determinadas conclusões. Ele quase não falou, só ia rabiscando e registando no quadro as conclusões dos instruendos…e aprendemos muito com ele nessa tarde.

Depois há o nosso amigo JJ e os seus celebérrimos “oichencha e oicho minutos do partido”. Num “portinhol” desconcertante e subserviente à língua castelhana. A falar sempre na segunda pessoa do singular e utilizando o tratamento por tu. “Quando queres mudar a equipa e não tens suplentes à altura…”; “…quando participas nas Champions, tens que ter estofo para jogar duas vezes por semana…” A Língua Portuguesa é das mais ricas do mundo, não temos que ter complexos de inferioridade. Tem palavras, que mais nenhum idioma tem, poderão ter equivalentes, mas não com o mesmo significado, por isso, não há que ter vergonha em utilizá-la e dá-la a conhecer ao Mundo. Neste particular os jogadores e treinadores portugueses, dos melhores entre os melhores do Mundo, terão uma importância capital na divulgação da nossa Língua Portuguesa. José Mourinho fez questão disso, numa cerimónia da UEFA, onde foi agraciado com um prémio que agora não tenho presente. Falou para o vasto auditório em Português de Camões, para gaudio e orgulho de todos os seus compatriotas. Obrigado Mourinho. Para além disso, somos um Povo humilde, mas com muito sentido de humor, o Sol traz-nos predisposição para a boa disposição. Carvalhal, na sua comissão pela Inglaterra, não só espalhou o perfume dos seus conhecimentos técnicos desportivos, como revolucionou o modo de estar nas conferencias de imprensa. Era o exemplo de boa disposição com dichotes que se utilizam por cá há uns tempos: a carne toda no assador, o Ferrari no transito de Londres, para além de pôr os tipos da imprensa inglesa a comerem pasteis de nata, pão-de-ló, etc…original. Temos que ter orgulho naquilo que temos e somos, ponto. Somos diferentes, somos originais, que são sempre melhor do que as fotocópias.

A dificuldade de comunicação conduz muitas vezes a resultados indesejados e muitas vezes a situações hilariantes, anedóticas e inusitadas. Assistimos a jogos em que vemos os treinadores debitarem ordens pra dentro do campo, assertivas e tecnicamente perfeitas, mas ficando-nos a dúvida: será que os atletas percebem o que lhes está a ser transmitido? Estou a falar de termos como: baixem o bloco, basculhem à esquerda e à direita, ocupem o último terço do campo, marca à zona, etc…A ordem estará bem dada, soa bonito para os sócios do clube que estão a assistir ao jogo, mas será que surte efeito? O jogador percebeu o que lhe estava a ser dito? Para que a mensagem seja recebida e percebida, terá que haver antes um trabalho do técnico e do atleta para uniformizarem a linguagem. O futebol também é teórico, pode e deve ser dado num contexto de “sala de aula”.

Os milhentos comentadores dos vários canais televisivos, insistem em falar durante 90, 94 minutos de duração de um jogo de futebol (sem prolongamento), debitando conceitos e comentários até à náusea. Comunicação com linguagem exageradamente técnica.   Muitos denunciam que só falam de cor, o que dizem é puramente teórico e livresco, deixando a descoberto que a maioria nunca praticou futebol e caros amigos, é cada atoarda que até dá dó. Expressões como: “a dinâmica da equipa”,” está no seu ADN”, “ocupa a posição 6”, “é um 10 puro”, “a equipa explora o espaço entre linhas”, a “equipa joga num 4-4-2 losango” e as famigeradas estatísticas, como se elas ganhassem jogos,…apre, não há pachorra! Estamos a ver, não precisamos que nos digam o que estamos a ver. Se for patinagem artística, ginástica rítmica, ou natação sincronizada, tudo bem. Futebol? Toda agente sabe o mínimo para perceber as incidências do jogo e quase “adivinhar” o seu resultado em função do desenrolar dos acontecimentos. Calem-se um bocadinho e deixem ouvir o publico das bancadas. Pelo menos, já se calam durante a entoação do Hino Nacional e quando é guardado um minuto de silencio. Houve tempos que nem aí se calavam, parecem que eram pagos ao minuto ou por cada palavra, como nos antigos telegramas.

A Biologia tem muito a ver com o desporto, mas o que tem a ver o ADN com a estratégica técnico-tática?

Antigamente a numeração de uma equipa de futebol em campo ia do algarismo 1 até ao número 11. Depois a moda ditou que servia qualquer número em função do gosto e imaginação do jogador e tradição do clube. Pode ser qualquer número. Certo, o objectivo de identificar o atleta por parte do árbitro é cumprido, mas perde-se em termos de aprendizagem do futebol, mormente nos escalões de formação. Por isso não faz sentido falar num “10 puro”, nem num “6 de eleição” …

Depois, salvo melhor opinião os sistemas táticos não são fixos, daí a dinâmica do futebol. Nesto caso, faz sentido falar-se de dinâmica. O 4-4-2, ou o 4-3-3, ou o 4-1,4-1, o que quer que seja só se verifica nos matraquilhos…aí sim, eles estão todos nas posições, aí a dinâmica é reduzida e aí sim há espaço entre linhas…

Gostaria de pergunta a esses teóricos o seguinte: num canto, fase de jogo defensiva, em que geralmente estão os onze jogadores dentro da área, qual é o sistema tático?

Na fase ofensiva, também na marcação de um canto, estão geralmente 7 atacantes ou mais dentro da área, pergunto qual é o sistema tático utilizado? Não façam do futebol uma ciência exacta, porque não o é. É um jogo, com todos os factores aleatórios que caracterizam um jogo, seja de futebol, de sueca, ou da malha… Como alguém disse um dia: “O Futebol é demasiado aleatório para ser considerado uma ciência, mas tem demasiada ciência para ser considerado um simples jogo.” É no meio que está a virtude, os fundamentalismos são sempre tóxicos e escusados.

Termino o artigo com uma “estória” divertida, para provar a importância da boa comunicação entre treinador e atleta. Omito propositadamente o nome do clube e intervenientes no assunto, por uma questão de “protecção de identidade” e porque o episódio é verdadeiro e não pretendo ferir susceptilidades:

Determinado clube português de futebol profissional encontrava-se com três ou quatro meses de ordenados em atraso. Decorria a “peladinha” de mais uma sessão de treino. O técnico querendo rectificar a movimentação do avançado, para que ele saísse da marcação e recebesse a bola no espaço vazio, vociferou-lhe irritado alto e bom som: Oh Fulano, fo**-se! Sai pra receber!

Passados uns segundos, o treinador repara que o jogador em questão, tinha abandonado o retângulo de jogo e calmamente dirigia-se para aos balneários. O treinador pensou, que o atleta se tinha sentido ofendido com a reprimenda e ia embora amuado, pergunta-lhe: “Fulano, onde vais? Estás lesionado?” Ao que o jogador respondeu: “Então mister, não é para receber? Saí para ir receber…” Gargalhada geral do plantel e o treinador ficou sem palavras. Isto ilustra o que é a falta de uma comunicação clara, eficiente e eficaz.

Daria este artigo mais pano para mangas, mas, não posso tornar-me fastidioso nem maçador abusando da paciência dos leitores. O importante desta opinião é perceber que o futebol é um jogo popular e não deve ser tornado numa actividade científica. Terá o seu o peso científico, mas só quanto baste. Acima de tudo terá que ser relaxado para ser desfrutado com o prazer de um jogo e como jogo que é, terá sempre um resultado imprevisível, influenciado por factores aleatórios (arbitragens incluídas) e aí é que reside o segredo da paixão do futebol que a todos nos atinge. Os Davides às vezes derrotam os Golias.

A linguagem terá que ser compreendida para ser objectiva, até poderá não ser tecnicamente perfeita, mas se for entendida, cumpre a sua missão... Se o técnico disser: “aperta” em vez de pressiona; se disser “tens homem ou olha a policia” em vez de dizer que estás marcado; se disser “mete”, em vez de dizer faz um passe de ruptura… poderá ser menos brilhante em termos técnicos, mas garanto que será mais eficiente em termos ojectivos.O importante é compreender o que se pretende. E atenção, às vezes entendemo-nos sem palavras, basta um olhar.

Fiquem bem, e pela vossa saúde, mexam-se!

 

 

Mário Costa